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Santa Maria bate recorde de crianças sem registro paterno na certidão de nascimento

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Foto: Renan Mattos (Arquivo/Diário)

Claudia*, 31 anos, ganhou Lucas* há quase três meses e, até agora, não conseguiu fazer o registro paterno do filho na certidão de nascimento. Ela morava em outro Estado quando começou o relacionamento com o pai da criança. No final de maio do ano passado veio para Santa Maria visitar a família, quando sentiu enjoo e fez um teste de gravidez. O resultado foi positivo. Ela contou a novidade ao parceiro, que até então manifestava vontade de ser pai, porém a reação dele não foi a esperada. 

- Contei a novidade e falei que estava voltando para casa. Mas ele sumiu. Achei que ele ia ficar feliz e me apoiar. Me vi perdida, arrasada. Fiquei na casa da minha mãe, desempregada, grávida e ele nem dava bola.

Com cinco meses de gestação, ele reapareceu falando que pagaria o parto do filho, que nasceu em janeiro deste ano. Até agora, Claudia recebeu apenas promessas, nenhuma delas cumpridas.

- Ele pediu apenas uma foto do filho. As pessoas me julgam até no momento que eu vou no pediatra, faço o cadastro do bebê. A moça pergunta qual nome do pai e eu não tenho o que dizer. É uma sensação horrível. 

O caso de Claudia é apenas um entre tantos. Em 2020 e 2021, 391 recém-nascidos de Santa Maria foram registrados apenas com o nome da mãe. O número, de acordo com a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), é recorde no município. Dados inéditos levantados pelo Portal dos Cartórios de Registro Civil do Brasil apontam que o número representa aproximadamente 5% dos recém-nascidos santa-marienses (3.654 registros em 2020 e 3.377 em 2021). Os reconhecimentos de paternidade diminuíram 50% quando comparados a 2019. 

NASCIMENTOS
O Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais de Santa Maria faz cerca de 200 registros de nascimento por mês. Em janeiro deste ano, foram 214 registros, e 10 deles não tiveram o nome do pai. Em fevereiro, foram 213, sendo que 12 não tiveram o nome paterno no documento. Algumas mães optam por não declarar quem é o pai. Outras não sabem quem são. Mas na maioria dos casos, os próprios pais, mesmo com a confirmação da paternidade por exame de DNA, não querem assumir os filhos. 

- Quando os pais não são casados e o pai não aparece para fazer o registro da criança junto com a mãe, o nome não vai para a certidão de nascimento. Se faz um termo de alegação de paternidade, em que a mãe diz quem é o pai, local onde mora e é dado o encaminhamento - explica o oficial de Registro Civil, João Milton Kemmerich.

São duas situações: quando a mulher faz a alegação da paternidade, cita o nome do pai e o caso é encaminhado ao Foro para confirmação; e o termo de desistência de paternidade, quando a mãe não quer fazer o registro do pai, por inúmeros motivos, que vão desde o desconhecimento de quem é o homem ou por casos de violência doméstica. Esses casos são encaminhados para a Defensoria Pública, que procura a mãe para entender melhor os motivos da desistência.  

Desde 1979, Kemmerich faz registros de nascimento em Santa Maria. De acordo com ele, a ausência de registro paterno na certidão "não é de hoje". 

- Sempre tivemos casos. Não tenho como precisar se isso aumentou. Mas hoje em dia existem facilidades, sem a necessidade de passar pela Justiça. Só não se faz o registro se o pai ou a mãe realmente não querem - explica. 

*Claudia e Lucas são nomes fictícios para não identificar a mãe e o filho citados na reportagem

PAI PRESENTE É DIREITO
Um projeto, que existe desde 2012, tem garantido o registro voluntário de paternidade de crianças e adolescentes no Rio Grande do Sul. A proposta Pai? Presente! é uma iniciativa da Defensoria Pública do Estado. O procedimento inicia com a indicação do suposto pai, feita pela mãe, ainda em cartório. A alegação é encaminhada para a Defensoria, que faz o contato com o pai, convidado-o a registrar a criança. Há, ainda, a possibilidade de fazer exame de DNA gratuito. Após as tentativas de mediação, se não houver acordo, a mãe pode ingressar com demanda judicial. 

Aline Drago, analista processual da Defensoria Pública, é a responsável pelo projeto em Santa Maria. Ela destaca que o objetivo do projeto é pensar no bem-estar da criança e explicar às mães os direitos dos filhos e os deveres dos pais. 

- Nós já tivemos casos de adolescentes, por exemplo, que a mãe faleceu e eles não sabiam quem era o pai. Tivemos o caso de uma menina que teve um problema de saúde e precisava de doação do pai. Tem a questão financeira também, de necessidade de ajuda. Além de que a convivência familiar paterna é importante para o desenvolvimento da criança - salienta. 

Por meio do trabalho da Defensoria, que evita os trâmites judiciais, os prazos do processo de registro de paternidade caíram de seis meses para 40 dias, em média. Mesmo com a desburocratização e facilidade, ainda é difícil incluir o registro paterno na certidão.

- Eu respeito a situação de cada família. Se a mãe não quer contato com o pai da criança, não posso ignorar que há casos de violência doméstica. Não tenho porque expor a criança a uma situação dessas. Mas, mesmo quando há a vontade por parte da mãe, na maioria dos casos não há acordo e o pai não aceita nem vir até a defensoria - observa. 

COMO RECONHECER A PATERNIDADE
Desde 2012, o procedimento de reconhecimento de paternidade pode ser feito diretamente em qualquer Cartório de Registro Civil do país, não sendo necessária decisão judicial nos casos em que todas as partes concordam com a resolução. Nos casos em que a iniciativa seja do próprio pai, basta que ele compareça ao cartório com a cópia da certidão de nascimento do filho, sendo necessária a aprovação da mãe ou do próprio filho, caso seja maior de idade. Em caso de filho menor, é necessário a consentimento da mãe. 

Em 2017 também foi garantido o direito da criança de 12 anos ou mais realizar em Cartório o reconhecimento da filiação socioafetiva, procedimento por meio do qual se reconhece a existência de uma relação de afeto, sem nenhum vínculo biológico, desde que haja a concordância da mãe e/ou do pai biológico. Neste caso, caberá ao registrador civil atestar a existência do vínculo afetivo da paternidade ou maternidade, mediante a apuração objetiva por intermédio da verificação de elementos concretos, como testemunhas ou da apresentação de documentos, como por exemplo: inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência; registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar; certidão de casamento ou de união estável - com o ascendente biológico; entre outros. 

Claudia ainda não sabe como lidar com o assunto com o filho no futuro, mas diz que não pretende esconder nada.

- O futuro me assombra. Vou falar para ele ter exemplo do tipo de homem que ele não deve ser. Se ele quiser conhecer o pai depois dos 18 anos, ok, mas antes eu nem sei se quero. 

RIO GRANDE DO SUL
Os dados levantados pelos Cartórios de Registro Civil do país apontam que, nos quase dois anos completos de pandemia, mais de 14 mil crianças no Rio Grande do Sul foram registradas somente com o nome da mãe na certidão de nascimento. O número, que representa 5% dos recém-nascidos gaúchos, ganha ainda mais relevância quando os últimos dois anos apontaram a menor quantidade de nascimentos no Estado. Já os reconhecimentos de paternidade aumentaram mais de 260% quando comparados a 2019. 


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